A Esclerose Múltipla (EM) é a doença autoimune mais comum do Sistema Nervoso Central (SNC), onde linfócitos ativados agridem a bainha de mielina dos neurônios, podendo causar lesão axonal (Reich, Lucchinetti, Calabresi 2018). A EM é a principal causa de incapacidade em jovens provocadas por doença neurológica, possui características de doença crônica, inflamatória e neurodegenerativa. Acomete mulheres a uma razão de 2:1 em relação ao sexo masculino. No Brasil a prevalência é de 8,69/100.000 habitantes (Da Gama Pereira et. al., 2015). A idade média de surgimento dos primeiros sintomas é aos 30 anos de idade, segundo Dendrou, Fugger e Friese (2015).
Os primeiros casos de Esclerose Múltipla (EM) na história remontam ao final dos séculos XIV e XVI. É o que se vê em registros do Vaticano envolvidos no processo de canonização de Santa Ludwina (ou Liduína, como é conhecida em português), nascida na cidade Holandesa de Schiedam no ano de 1380. Nesses relatórios existem vários indícios de que ela fora acometida por uma doença neurológica marcada por fraqueza em membros inferiores, distúrbios visuais e desequilíbrio (Murray, 2009). Essas alterações surgiam de forma paroxística e melhoravam dias, semanas depois – algumas vezes não completamente. Santa Ludwina sofreu com essa doença por décadas e hoje é considerado o primeiro relato de Esclerose Múltipla da história.
Trezentos anos depois, os diários de Augustus d’Este (1794-1848) apresentavam fatos acerca da doença que o acompanhou por toda a vida. Ele era considerado membro ilegítimo da família real inglesa, primo da Rainha Vitória e neto do Rei George III. Os relatos contidos nesses diários são compatíveis com o diagnóstico de EM remitente-recorrente. Segundo essas anotações, em 1822, aos 28 anos de idade, Augustus d’Estes teve seu primeiro surto manifestado por neurite óptica (Murray 2009, Landtblom et al 2010).
Outro evento histórico relevante foi uma publicação feita em 1838 pelo escocês Robert Carswell a respeito de uma doença marcada pela disseminação de placas no sistema nervoso central (Murray, 2009). No entanto ele não correlacionou os achados das autópsias, que ele mesmo realizou, às manifestações clínicas. Jean-Martin Charcot, no entanto, foi capaz de descrever alterações patológicas (que denominou de “sclérose en plaques”) que eram condizentes com os achados clínicos e publicou artigo em maio de 1868 (Zalc, 2018). Graças a esse trabalho, Charcot, é considerado o “pai” da Esclerose Múltipla – que passou a ser nomeada assim apenas em 1955. (Murray, 2009, Compston, Coles, 2008, Ransohoff, Hafler, Lucchinetti, 2015).
Do ponto de vista clínico a Esclerose Múltipla é classificada em: Remitente-Recorrente (RR), Secundariamente Progressiva (SP) e Primariamente Progressiva (PP). Estes fenótipos foram definidos em 1994, na cidade de Charleston, no Estado Norte Americano da Carolina do Norte, em Workshop formado por especialistas em Esclerose Múltipla de todo o mundo (Lublin, Reingold, 1996). Nessa época nenhum marcador biológico nem imagens de Ressonância Magnética (RM) foram utilizadas para discriminar cada uma das formas. Contudo, é a classificação utilizada atualmente e teve intuito de uniformizar a linguagem nas pesquisas e a comunicação entre os clínicos (Lublin et al, 2014).
Diante de um paciente sob suspeita de EM deve-se ter em mente que muitas outras doenças podem assemelhar-se, clínica e radiologicamente, à doença neurológica (Miller et al, 2008). Considera-se que 79 diferentes doenças estão incluídas na lista de diagnóstico diferencial com EM e é mandatório que ampla investigação seja feita. Vale ressaltar que até o momento não existe nenhum teste laboratorial – muito menos quadro clínico patognomônico – capazes de confirmar o diagnóstico de EM.
Os sinais e sintomas da EM dependerão da região do SNCacometido pelas lesões desmielinizantes. Podem surgir: apraxia da marcha, déficit de força (monoparesia, hemiparesia, hemiplegia), ataxia, alterações cognitivas, déficits sensitivos (dormência, formigamento, sensação de agulhada…), perda do controle dos esfíncteres (vesical e/ou retal), alteração de fala, vertigem, tonturas, alterações visuais.